liberdade de expressão e os bilionários do vale
em 07 de janeiro de 2025, mark zuckerberg anunciou mudanças nas políticas de moderação de conteúdo nas plataformas controladas pela meta: facebook, instagram e threads; o whatsapp é uma coisa a parte nessa questão.
a postagem pode ser vista aqui: more speech and fewer mistakes 1, nela zuckerberg (zucka) fala sobre o que considera erros do passado, no exagero de moderação de discursos dentro de suas plataformas e das iniciativas de diminuir (acabar??) com os investimentos em checagem de fatos, a liberdade de expressão precisava voltar às suas plataformas. não custa lembrar que o anuncio foi postado a pouco menos de 2 semanas antes da posse de trump.
o texto é cheio de alfinetadas (“tribunais secretos” da américa latina, que m3rd@ é essa?) e me parece mostrar uma tendência dos bilionários do vale do silício choramingarem o quanto são tolhidos em suas vontades de empreender e tornar o mundo melhor, mais sobre isso mais para frente. mas não consigo não deixar de perceber que mimimi é só quando os outros reclamam, com eles é sempre legítimo.
nos primeiros segundos do vídeo zucka fala como a mídia tradicional (legacy media)2 e governos forçam a barra por mais “censura” e como tudo isso é politicagem (como se o que ele faz não o fosse) e como exemplo de conteúdo realmente danoso ele cita apenas drogas, abuso infantil e terrorismo. no meu entender um escopo muito limitado dos perigos que uma rede social pode abrigar. zucka continua comentando que vai trazer “conteúdo cívico de volta”, o que, traduzido do corporate bullshit-ish, significa mexer nos algorítimos para que conteúdo sobre política gere mais engajamento. lembrando que menos de um ano antes, a meta havia anunciado que haveria menos conteúdo politico em suas plataformas
o timing desses anúncios foi bem preciso, aproveitou o ambiante favorável para acabar com uma iniciativa dentro da empresa que gerava muitos custos e nunca funcionou de maneira que agradasse minimamente a todos os stakeholders envolvidos.
os detratores do dono da meta argumentam que zuckerberg desflora em público, que cada vez mais se sente à vontade para mostrar quem realmente é e o que realmente pensa, que se metamorfoseia, desde o nerd reptiliano acuado no congresso a um proto bad boy jiu-jutseiro, que mostra cada vez mais sua verdadeira face, alguém que não se importa muito com as consequências do que acontece em suas redes, desde que seus produtos continuem entregando valor para os shareholders, e eu acredito nisso, certamente as mudanças foram uma decisão business oriented e politicamente consoante com os novos tempos de segundo mandato trump. acho que é consenso que zucka nunca teria implementado as iniciativas de checagem de fatos se não tivesse sido obrigado. celebra-se o fim da “cultura woke” e uma nova era de otimismo para os conservadores se anuncia.
há mais interesses em jogo para essas mudanças na meta acontecerem agora, zucka parece estar com medo de trump, não só ele, mas vários outros empresários do mundo tech, que historicamente sempre apoiaram mais os democratas e que agora temem serem vítimas de algum tipo de vingança por parte do novo presidente (CEO/tirano ??) dos eua, o que me parece bem impressionante, gostaria de saber as ameças que foram feitas em privado. afinal, uma das supostas vantagens de ser um bilionário em uma democracia é poder se sentir um pouco mais acima da lei que o resto, ou não?
m.g. siegler resume bem a situação em postagem já linkada por aqui anteriormente. alias, para quem gosta de tecnologia, eu recomendo: https://spyglass.org/
that is to say, he’s not completely full of shit in his about-face on content moderation and free speech. His own video on the matter kicks off by citing a speech he gave five years ago at Georgetown on such topics – a point which his team has been trumpeting today. It’s an effort to make him seem less two-faced, of course. But again, I don’t think it’s necessarily misleading. It can be both convenient and also true.
But there are other truths too. Certainly, the timing of all of this is interesting. Which is to say, also undoubtedly not coincidental. He’s reversing Meta’s course on the eve of the inauguration of a President who has threatened both him personally and his company due to the very issues that Zuckerberg is now backtracking on. Talk about convenient! And this follows a love bombing campaign to prove to the incoming “badass” President that this time, things will be different.
o império contra-ataca
um dia antes antes de zucka fazer seu anuncio das mudanças de fact checking, dana white foi anunciado como novo membro do board da meta, e na sequencia foi entrevistado por joe rogan, com direito a perolas do tipo: falta “energia masculina” nas empresas.
ao longo do podcast ele mostra um ressentimento com a administração do governo biden e como burocratas começaram a interferir e pressionar a meta por “censurar” mais determinados tipos de conteúdo, “these people from the Biden administration would call up our team and, like, scream at them and curse”, ele fala lá pelas tantas.
um argumento muito parecido pode ser ouvido da boca de marc andreessen3, sócio da empresa de venture capital a16z, no podcast matter of opnion, do new york times. o sugestivo título do episódio é: “how democrats drove silicon valley into trump’s arms”.
Then they just came after crypto. Absolutely tried to kill us. They just ran this incredible terror campaign to try to kill crypto. Then they were ramping up a similar campaign to try to kill A.I. That’s really when we knew that we had to really get involved in politics. The crypto attack was so weird that we didn’t know what to make of it. We were just hoping it would pass, which it didn’t. But it was when they threatened to do the same thing to A.I. that we realized we had to get involved in politics. Then we were up against what looked like the absolutely terrifying prospect of a second term.
traduzindo: (pelo chatgpt por motivos de preguiça e talvez até com um argumento para o que está sendo discutido aqui):
Então, eles simplesmente começaram a atacar o setor de criptomoedas. Tentaram absolutamente nos destruir. Eles lançaram uma campanha de terror incrível para tentar acabar com as criptomoedas. Depois, começaram a intensificar uma campanha semelhante para tentar acabar com a Inteligência Artificial. Foi aí que percebemos que realmente precisávamos nos envolver na política. O ataque ao setor de criptomoedas foi tão estranho que não sabíamos como reagir. Estávamos apenas esperando que aquilo passasse, mas não passou. Porém, quando ameaçaram fazer o mesmo com a Inteligência Artificial, entendemos que precisávamos nos envolver na política. Então nos vimos diante do que parecia ser a perspectiva absolutamente assustadora de um segundo mandato.
andreessen também foi ao podcast do lex fridman, num aparente tour dos bilionários do silício de tentarem fazer sei lá o que, se justificar pelo apoio ao trump? tentativa de contenção de danos? fazendo os altos salários da equipe de relações públicas valer a pena?
as entrevistas de andreessen são um show a parte, cheio frase patrióticas, dos “america first” e uma tentativa de justificar o imenso acumulo de riqueza e poder da “turma da tech” com coisas do tipo:
First of all, let me disabuse you of something, if you haven’t already disabused yourself. The view of American C.E.O.s operating as capitalist profit optimizers is just completely wrong.
That’s like, Goal No. 5 or something. There’s four goals that are way more important than that. And that’s not just true in the big tech companies. It’s true of the executive suite of basically everyone at the Fortune 500.
I would say Goal No. 1 is, “I’m a good person.” “I’m a good person,” is wildly more important than profit margins
quem acredita numa balela dessa?
ele também reclama muito da “cultura woke” e como as universidades foram tomadas por ideologias socialistas e pela extrema esquerda:
So I would say both, and the unifying thread here is, I believe it’s the children of the elites. The most privileged people in society, the most successful, send their kids to the most politically radical institutions, which teach them how to be America-hating communists.
na cabeça dele, alunos de pessoas muito ricas estão indo para yale, harvard, cornell, princeton e etc… e acabam se tornando comunistas detratores da america (qual américa?). eu confesso que tenho dificuldade de entender em que universo algo assim seria possível. tudo bem, nunca estive e nunca convivi com alunos, professores e o ambiente dessas universidades, imagino que mesmo pelos centros acadêmicos de ciências sociais das universidades públicas brasileiras isso não é 100% verdade, a escala em que isso está ocorrendo no centro da nata intelectual do capitalismo mundial certamente é muito menor. ok, universidades são lugares de questionamento, de pensamento crítico, muitos jovens juntos, muito hormônio em ebulição, mas calma lá.
enfim, pode ser que ser contra as indecentes taxas de concentração de renda que se vê nos eua te torne automaticamente um comunista. aparentemente não existe meio termo.
sobre o segundo mandato da administração trump, andreessen justifica seu apoio:
I actually think that they’re incredibly transparent and the president’s incredibly transparent in what he says. The high-level thing they say with respect to anything involving tech or business is, “We want America to win.” And what that means is: “We want America to be the pre-eminent country in the world. We want America to be the global economic leader. We want America to be the global technology leader. We want America to be the global military leader. We 100 percent want to beat China. We want to make sure that American technology proliferates globally and not Chinese technology. It’s a shame in the past that so many of you guys were against us, because all we wanted was to help you guys win.”
(…)
No. 2 is — look, we would like our companies to be able to succeed globally. We think it’s in the best interest of the United States and all Americans for that to happen. Because if it’s not American companies winning globally, it’s Chinese companies winning globally. Even the Americans who hate America the most presumably are not in favor of the Chinese Communist Party winning instead.
um discurso que na superfície parece bem nacionalista, mas que para mim soa como andreessen se pondo como porta voz dos principais players do vale do silício, cujos anseios são que o governo eua os ajude para que suas empresas possam continuar crescendo e se expandindo indefinidamente, mas que sabem que sem um apoio institucional, crescer mundo a fora é bem mais difícil, pois a hostilidade para com as empresas americanas cresce, hostilidade em muita parte liderada pela união europeia.
And as you know, many foreign governments are now much more hostile to American tech than they were 20 years ago. We face enormous challenges in Europe. Enormous challenges even in the U.K. There’s just these extremely draconian anti-tech, anti-business, anti-American policies.
esse discurso do vale do silício, para mim parece conflitante com os interesses dos eleitores do trump, que é quem realmente o colocou na presidência duas vezes, que é o estadunidense médio, cujos pais viveram a promessa do “american dream”, do trabalhe duro e será recompensado. os filhos e netos da geração boomer.
a classe média dos eua, e não só lá, em todo o mundo ocidental, está cada vez mais achatada, cada vez mais frustrada. os custos de moradia, alimentos e de vida de modo geral cada vez mais caros. um trabalhador nos anos 1960-1970 podia passar a vida trabalhando no chão de fábrica e ainda assim comprar uma casa, um carro, sustentar uma família com esposa e muitos filhos. hoje isso beira o impossível.
para mim é bem claro que nem trump nem os oligarcas da california 4 tem a solução para isso, na verdade trump e toda a “velha economia” industrial são os responsáveis, eles que tiraram as fábricas de território estadunidense e levaram para china, america latina e qualquer outro lugar onde a mão de obra fosse mais barata. a globalização foi boa para eles e as consequências vieram a conta gotas e num período pré redes sociais, os efeitos demoraram para chegar e nem todo mundo consegue ligar em sequencia os fatos, principalmente esse americano médio, patriota e ignorante do que acontece no resto do mundo.
a ver como os acontecimentos vão se desdobrar.
para ler mais sobre o fim da política de checagem de fatos:
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2025/01/08/governo-trump-meta-big-techs-alinhamento
https://www.niemanlab.org/2025/01/zuck-chucks-fact-checkers-to-cosplay-as-elon-musk/
https://www.platformer.news/meta-fact-checking-free-speech-surrender/
https://www.404media.co/facebook-deletes-internal-employee-criticism-of-new-board-member-dana-white/
https://www.404media.co/facebook-is-censoring-404-media-stories-about-facebooks-censorship/
entrevista do marc andreessen para o podcast Matter of opnion, do New York times https://www.youtube.com/watch?v=TEGVM6y6lwM
aqui segue uma transcrição da fala do zuckerberg, que pode ser facilmente traduzido para o português, para quem se interessar: https://www.techpolicy.press/transcript-mark-zuckerberg-announces-major-changes-to-metas-content-moderation-policies-and-operations/ ↩︎
o termo legacy media aqui me soa como uma coisa depreciativa, a primeira das alfinetadas do camarada zucka no vídeo. no mundo da tecnologia, o termo legacy faz referência a coisas do passado, ultrapassadas e as que às vezes são um estorvo, pois geralmente são tecnologias que devem receber suporte ainda, pois há grande base de usuários, atrasando a evolução e aumentando custos. ↩︎
marc “software is eating the world” andreessen foi co-autor do mosaic, primeiro navegador gráfico para a internet e também co criador do netscape (sdds). bilionário do vale do silício, um dos og tech bros, parça de tipos como elon musk** e peter thiel. se você admira esse tipo de camarada fique atento, provavelmente está do lado errado da história. para essa gente, você é a base da cadeia alimentar. ** nota da nota, consegui escrever esse texto e mencionar musk apenas umas vez, estou de parabéns. ↩︎
tem gente que discorda do termo oligarquia para o que acontece no vale do silício, mas não sei termo melhor no momento. ↩︎